Wallace Oliveira / Brasil de Fato
Ouro Preto, 02 de Setembro de 2016 às 16:10
"Meus amigos, meus inimigos, salvemos Ouro Preto”. Este verso do poeta Manuel Bandeira, escrito em 1949, ainda parece bem atual. Tudo se passa como se a cidade da Inconfidência Mineira, fundada há três séculos para arrancar riqueza do ventre de Minas, estivesse condenada a padecer entre a cobiça e o esquecimento. Desde 1980, Ouro Preto é considerada pela Unesco patrimônio cultural da humanidade. Desde os anos 1970, a cidade cresce sob impulso da mineração e metalurgia. Hoje, com 74 mil habitantes, a expansão se dá, sobretudo, nas encostas da Serra de Ouro Preto, ao norte, lugar da exploração do ouro no período colonial. O local atrai os moradores por força da proximidade com o centro histórico, onde estão as principais atividades comerciais e os equipamentos públicos, mas também por falta de lugar para morar. O problema é que esse processo ameaça a segurança das pessoas, o meio ambiente e a preservação do patrimônio. Impróprio para habitação “O município tem 60% do território em locais de risco alto ou muito alto. Há poucas áreas para expansão urbana e as que são atualmente utilizadas dão lugar a bairros que crescem sem planejamento”, afirma o engenheiro e geotécnico Michel Fontes, presidente do Instituto Geotécnico de Ouro Preto. Segundo ele, a atual ocupação das encostas ameaça a segurança dos moradores. “Já existem históricos de movimentação, indícios de massas mobilizadas de solo, propensas a escorregamento. Com o acúmulo de chuvas de 120 mm³ em cinco dias, a possibilidade de escorregamentos acontecerem é superior a 87%. Em alguns locais, esse risco chega a 99%”, explica. Outro problema diz respeito à preservação patrimonial. “A ocupação de morros, em áreas que têm visibilidade a partir da área tombada e preservada, é anterior à consolidação da praça Tiradentes, que é um ícone da cidade desde o século XVIII. O adensamento populacional nessa área afeta toda a ambiência e visibilidade do conjunto arquitetônico”, comenta André Henrique Vieira, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Para o geógrafo Edenir Monteiro, também há um confronto entre o crescimento urbano e o meio ambiente. “Ali tem a divisa com a Área de Proteção Ambiental Estadual da Cachoeira das Andorinhas, tem a parte do Jardim Botânico, com proposta de virar um monumento e unidade de conservação. O local também é importante para a captação da água na parte alta da cidade. Então, por ser uma área de recarga hídrica, precisa ser preservada”, alerta. Crescer em outra direção Em 1973, o Plano de Conservação, Valorização e Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana, feito pela Fundação João Pinheiro, recomendou a expansão planejada para a região sudoeste, próximo a onde fica a Universidade de Ouro Preto. Haveria ali capacidade para abrigar 12 mil habitantes. Na época, o município cedeu terrenos de 1,19 milhão de metros quadrados à empresa canadense Alcan, que tinha uma fábrica de alumínio na região. Mais tarde, a Alcan criaria a marca Novelis, detentora da fábrica e dos terrenos do município. Em 2014, a Novelis anunciou o fechamento da fábrica, gerando a demissão de 350 trabalhadores. Os terrenos, entretanto, não foram reavidos pelo poder público. Surgiu, então, a suspeita de que a empresa venderia esses terrenos a particulares, o que levou um grupo de moradores a ocupar o local. “Em dezembro de 2015, organizamos a ocupação Chico Rei, numa área de cerca de 17 hectares. O objetivo foi pressionar a Novelis e a Prefeitura, cobrando a construção de um bairro planejado no local, como saída para o crescimento de Ouro Preto. Eles não usam essas terras, apenas especulam, enquanto o povo é empurrado para as encostas”, afirma Wanderley Kuruzu Rossi, integrante do Coletivo Ocupação Chico Rei.
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