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Poluição chega até
aos pequenos corações, ainda no útero
Estudo canadense
reforça a tese de que agentes tóxicos presentes no ar comprometem a formação do
primeiro órgão no embrião humano. Segundo médicos, os defeitos cardíacos
congênitos são cada vez mais detectados nas maternidades
Por volta do 21º dia de gestação, uma estrutura ainda
minúscula e primitiva começa a bater. É o coração, primeiro órgão a se formar
no embrião humano e que estará completamente desenvolvido na oitava semana após
a concepção. Nesse intervalo de tempo, porém, algo pode dar errado. Um canal
que não se fecha, uma válvula que se estreita, um tronco que se sobrepõe a
outro… Quando isso ocorre, a criança já nasce com a capacidade cardiovascular
comprometida.
As causas dos defeitos cardíacos congênitos ainda não foram completamente
esclarecidas, mas estudos têm demonstrado a importância de um componente
ambiental na malformação do órgão: os agentes poluentes. Resultados
preliminares de uma pesquisa apresentada no congresso da Associação Americana
do Coração encontraram mais uma associação contundente entre resíduos tóxicos
industriais e deformidades que surgem durante o desenvolvimento cardíaco. De
acordo com os cientistas, a mistura, no ar, de produtos químicos — benzeno, clorofórmio
e metanol, por exemplo —, e metais, como mercúrio e chumbo, tem forte
correlação com taxas de defeitos cardíacos congênitos.
Os pesquisadores da Universidade de Alberta, no Canadá, investigaram se morar perto de locais onde há emissão de substâncias poluentes poderia aumentar o risco de gestantes darem à luz crianças com problemas no coração. A poluição é um dos grandes desafios enfrentados pelos canadenses, incluindo os moradores de Edmonton, capital da província de Alberta e grande polo fabril. Uma pesquisa do Ministério da Saúde do país indicou que, nas oito principais cidades do Canadá, 5,9 mil pessoas morrem prematuramente por ano em decorrência da toxidade das partículas aéreas.
“As doenças cardíacas congênitas são um problema global significativo do ponto de vista da saúde pública. Apesar de alguns casos serem atribuídos à genética, em pelo menos metade das vezes, a causa é desconhecida”, explica Deliwe P. Ngwezi, pesquisadora de cardiologia pediátrica da Universidade de Alberta e principal autora do estudo. “Decidimos fazer essa investigação porque, nos hospitais, temos visto muitos casos de bebês e mesmo de fetos ainda não nascidos com defeitos cardíacos. Queríamos verificar se algum fator ligado ao período de gestação poderia estar associado. Assim, se não curar, ao menos é possível, em tese, prevenir as anomalias.”
Na pesquisa, os cientistas coletaram dados de emissões químicas de 2003 a 2010, casos de defeitos cardíacos congênitos registrados pelo Hospital Infantil Stollery entre 2004 e 2011 e número de nascimentos na província durante o mesmo período. Foram identificadas 1.903 ocorrências de malformação cardíaca, a uma taxa de 5,8 casos em cada mil nascidos vivos. As doenças mais comuns eram defeitos no septo (47,9%), obstrução ventricular (15,2%) e malformação conotruncal (12,2%). No intervalo de tempo estudado, os cálculos estatísticos resultaram em um forte coeficiente de correlação (0,94, sendo que o máximo é 1) entre o risco de apresentar o problema e o fato de a mãe ter sido exposta, no primeiro trimestre de gravidez, à mistura de 13 substâncias químicas emitidas por indústrias (veja infografia). A partir de 2006, contudo, o coeficiente caiu e manteve-se em 0,84.
“É interessante notar que foi nessa data que o governo canadense começou a apertar o cerco contra a poluição industrial, com a introdução e a implementação do Plano de Manejo Químico, que tem como objetivo monitorar e reduzir as emissões de agentes tóxicos no ar e na água”, observa Ngwezi. “Nós reconhecemos a necessidade de fazer mais medições e de ampliar a pesquisa para outros locais e com número maior de participantes, inclusive porque nossos dados são preliminares, mas acreditamos que essa é mais uma evidência de que a poluição pode ser muito prejudicial não só para crianças e adultos, mas para o ser humano ainda em formação.”
A médica afirma esperar que pesquisas semelhantes incentivem políticas públicas de controle ambiental. Ela lembra que a estimativa no Canadá é de que sejam gastos US$ 8 bilhões por ano em decorrência apenas dos problemas causados pela poluição do ar. Isso inclui contas hospitalares e de seguridade social. Mas as gestantes não devem esperar que governos tomem providências. Ngwezi aconselha que elas evitem lidar com compostos orgânicos e pesticidas, principalmente no primeiro trimestre de gestação. “Esse é um estágio crítico, é quando se formam os órgãos dos bebês”, lembra. “Se você está planejando engravidar, tente ficar o mais longe possível de áreas muito poluídas”, aconselha.
De acordo com Michael Gewitz, presidente do congresso da Associação Americana do Coração, a pesquisa, por ser ainda preliminar, não prova a relação entre os agentes poluentes tóxicos e os riscos para o desenvolvimento cardíaco. Ainda assim, ele ressalta a importância dos resultados como ponto de partida para novas investigações e no sentido de fornecer um alerta sobre os riscos potenciais da exposição à poluição.
“Precisamos investir mais em pesquisas semelhantes. Descobrir a influência do ambiente sobre a formação do feto é importante não só sob o ponto de vista da cardiologia, mas para um amplo espectro de anomalias que ocorrem ainda dentro do útero, incluindo psiquiátricas e neurológicas”, avalia.
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